![]() Existe um erotismo que se apresenta como inofensivo, disfarçado de “padrão de beleza” e “autocuidado”. Ele pede pele lisa, sem marcas, sem pelos, sem rugas… como se a maturidade fosse um defeito a ser eliminado. Essa estética, que “achatou” sinais de vida adulta no corpo feminino, não é fruto do acaso: ela é alimentada por uma engrenagem que mistura mercado, desejo e controle.
Georges Bataille dizia que o erotismo é a aprovação da vida até na morte. Não é só o corpo que está em jogo, mas também a transgressão, o proibido, a fronteira que se ultrapassa. A infantilização do corpo adulto é uma dessas fronteiras, porque subverte a maturidade em busca de algo que pareça intocado, imaturo, “antes do tempo”. É a sexualização de uma ausência: ausência de marcas, de vivência, de experiência.
Michel Foucault já lembrava que o poder não se exerce apenas pela proibição, mas pela produção de discursos, de saberes e de corpos. A estética da juventude eterna não é só desejo: é disciplina. É uma fábrica silenciosa que molda como mulheres devem se apresentar e como homens devem desejar. O poder se infiltra na vaidade, no salão de beleza, no filtro de rede social… até que a regra seja internalizada e naturalizada.
Byung-Chul Han, ao falar da sociedade do desempenho e da estética da transparência, nos mostra que vivemos na era da exposição constante, em que nada pode envelhecer, cansar ou falhar. O corpo é mercadoria em vitrine permanente. Nesse mercado, juventude é capital, e quanto mais se parece com a adolescência, maior o seu valor. Não é só uma questão de gosto individual; é um modelo de consumo que se vende como liberdade, mas cobra conformidade.
Homens mais velhos, nesse jogo, não buscam apenas juventude física: buscam a narrativa que ela carrega. A promessa de frescor, de ingenuidade, de menos confronto. Mulheres, pressionadas por essa régua invisível, competem não com outras mulheres, mas com versões idealizadas de meninas. E, assim, o erotismo que poderia ser potência vira um teatro de submissão ao ideal da inocência vendida.
A pornografia industrial entendeu isso cedo. A categoria “teen” é uma das mais lucrativas, e não apenas porque responde a um desejo pré-existente mas porque o próprio mercado o alimenta e molda. Quanto mais se consome, mais se produz; quanto mais se produz, mais se normaliza; quanto mais se normaliza, mais se espera que esse padrão saia da tela e invada a vida real.
A pergunta final não é confortável: quando exaltamos o corpo “sem marcas” e “sempre jovem” como ápice da beleza, estamos apenas respondendo ao desejo alheio ou participando ativamente da manutenção dessa engrenagem? Talvez não seja “o mal na cabeça do outro” nem “culpa coletiva” isolada. É uma teia em que escolhas individuais, consumo, mídia, pornografia e algoritmos se misturam e nenhum de nós está totalmente fora dela.
No fim, não é só sobre o que os outros fazem com o corpo das mulheres… é sobre o que todos nós fazemos com o próprio olhar... Se o desejo é livre, mas o padrão é imposto, até que ponto é desejo…
Até que ponto é obediência? Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 10/08/2025
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