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"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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O Bolsonarista Corporativo: entre o grito e a planilha

Existe um tipo curioso de comentarista que aparece em qualquer debate político, seja ele sobre geopolítica, economia ou a cor da água do rio. Ele não necessariamente entendeu a pergunta, tampouco leu o texto até o fim… mas já preparou o dedo para escrever em caixa alta: “COMUNISMO É O CÂNCER DO BRASIL”. É o bolsonarista digital e, quase sempre, um espelho do bolsonarista corporativo.

 

Esse sujeito, geralmente homem, entre 40 e 65 anos, teve sua formação política por WhatsApp e seu MBA informal em vídeos de YouTube com thumbnails vermelhos. Ele fala sobre “economia” como quem discute futebol de várzea: com paixão, certezas absolutas e nenhuma estatística verdadeira. Acha que o Estado atrapalha, mas exige que o governo baixe o combustível. Reclama dos impostos, mas não sabe o que é uma renúncia fiscal. Grita por liberdade, mas adoraria ver preso quem pensa diferente.

 

Ele se sente ameaçado por jovens que falam inglês, dominam Excel e propõem soluções fora do “sempre foi assim”. Para ele, generalistas são “inseguros”, especialistas demais são “intelectuais de esquerda” e qualquer pessoa que leia mais de dois livros por ano é comunista. A nova geração o incomoda não por falta de respeito, mas porque ela não precisa do grito para ser ouvida. E isso o desconcerta.

 

Esse mesmo sujeito, fora do teclado, é muitas vezes dono de uma empresa de médio porte, gerente de um setor importante ou sócio de um negócio familiar. E é aí que mora o perigo. No mundo corporativo, ele carrega consigo os mesmos vícios do debate público: não escuta, apenas espera sua vez de falar. Desconfia de treinamentos, deslegitima as novas lideranças, diminui colaboradores mais jovens e perpetua uma cultura onde o medo substitui a escuta.

 

Para ele, liderar é mandar. Resultado é lucro. Lucro é cortar. Cortar é eficiência. Mas não vê que o que realmente corta sua própria imagem são as ironias e deboches quando alguém ousa propor um novo caminho, seja no campo político ou dentro da empresa. O desrespeito ao debate não afeta só a reputação alheia… afeta a própria credibilidade. E ele não percebe.

 

Ao rejeitar o contraditório, ele se isola da evolução. Torna-se aquele chefe que ninguém escuta com vontade, aquele fornecedor que ninguém recomenda, aquele homem que, fora do WhatsApp, se sente cada vez mais sozinho em suas certezas.

 

Porque no fim, a empresa precisa gerar lucro, sim. Mas também precisa gerar pertencimento, inovação e diálogo. E nenhuma dessas coisas floresce onde o medo e o autoritarismo ainda reinam como se estivessem num palanque de 2018.

 

Respeito não se cobra com grito… se conquista com escuta.

E no mundo real, seja no chão da fábrica ou na cadeira da diretoria, quem não aprende a debater… aprende a perder.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 14/07/2025
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