O Ovo Que Faltava

Era uma mesa farta. Frutas, pães, sucos, café, leite, biscoitos, frios... mas não tinha ovo. E por não ter ovo, o mundo desabou.

Ali estava ele: um homem feito, engravatado pela hierarquia, emburrado pelo estômago. Esbravejou. Disse que estava em jejum. Que o dia dele ia começar mal. Que ninguém pensa. Que não adianta ter tudo, se não tem o ovo. E foi assim, com o semblante de um menino mimado e o crachá de diretor pendurado no ego que ele desmereceu quem preparou a mesa. Quem correu. Quem tentou.

O mais assustador não foi o escândalo pelo ovo. Foi o que veio depois.

Disse que não podemos burocratizar os processos. Que era preciso agilidade, liberdade, menos protocolo. Disse isso pra quem vem da Vale. Disse isso como se segurança fosse um excesso. Como se procedimento fosse frescura. Como se a fala dele não tivesse consequência.

Mas tem.

Porque cada frase dita por quem está no topo da cadeia de comando se transforma em autorização invisível. Quando um diretor grita por um ovo, ele não está só gritando por um ovo; ele está dizendo que o mundo gira em torno da sua vontade. E quando ele despreza a importância dos processos, ele está dizendo que qualquer um pode cortar caminho. Que basta se sentir frustrado para desrespeitar. Que basta estar com fome para se tornar injusto.

E tudo isso... dentro de uma mina subterrânea. Com risco de queda. Risco de vida. Gente que acorda antes do sol pra enfrentar o calor, o cansaço e o silêncio do fundo da terra.

É uma dicotomia cruel: o caos lá embaixo e a crise do ovo cá em cima.

Talvez o que faltava naquela mesa não era o ovo. Era o senso. Era o respeito. Era a consciência de que liderança não é um palco onde se apresenta o humor do dia. Liderança é o bastidor onde se sustenta o coletivo, mesmo que tu estejas com fome. Mesmo que tu aches que mereces mais. Mesmo que a tua vontade não seja atendida.

Porque tu não estás ali pra ter vontade, estás ali pra ter responsabilidade.

Enquanto houver diretores que gritam por um ovo, o chão seguirá instável... e não por causa da rocha, mas por causa da cultura.