... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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O Engenheiro do Tempo Perdido

No subsolo de um reino qualquer, entre paredes cinzas e relógios que não marcavam hora, vivia um Engenheiro. Não desses que constroem pontes... mas desses que desmontam esperanças.

 

Ele não usava capacete. Usava frases feitas. Tinha sempre uma anedota pronta, um sorriso que não chegava nos olhos e uma prancheta onde riscava ideias alheias com a ponta de um lápis invisível.

 

Dizia-se protetor do tempo. "Não temos tempo para utopias", murmurava enquanto podava sugestões como se podasse ervas daninhas... mesmo quando o jardim já era só concreto.

 

Era ele quem alertava os sonhadores: “Aqui não é lugar para idealismos, aqui é chão duro. Pedra. Minério. Não tem espaço para flor.”

 

Mas o que ele não dizia, ou talvez nem sabia, é que as flores nascem nos lugares mais absurdos. Entre o asfalto. Na beira dos trilhos. No canto esquecido da sala onde ninguém mais entra.

 

Um dia, uma nova voz apareceu. Não tinha pressa. Não trazia fórmulas. Só perguntas.

 

Perguntava por que os vestiários fedem. Por que o copo de água chega quente. Por que o descanso parece punição. Por que a limpeza é vista como custo e não como valor.

 

O Engenheiro do Tempo Perdido revirou os olhos. “Ah… mais uma Alice. Mais uma que acha que vai mudar tudo com fluxograma e empatia. Vai acabar como as outras: cansada, desacreditada e fora do jogo.”

 

Mas essa Alice era diferente. Ela não queria o trono. Queria o chão. Não queria aplauso. Queria resposta.

 

E mesmo ouvindo o velho Engenheiro repetir que “nada vai mudar”, ela seguia. Limpando os rastros. Escrevendo POPs como quem reescreve histórias. Dando nome aos esquecidos. Cuidando dos bastidores como se fossem palcos.

 

Porque no fundo... ela sabia.

 

Sabia que todo reino ruído por dentro é sempre governado por pessimistas que confundem experiência com cinismo.

 

E que toda revolução começa com quem se recusa a acreditar que “sempre foi assim”.

 

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 29/06/2025
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