... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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Nem tudo o que a gente cativa, cabe na volta

Tem gente que entra na vida da gente como quem invade uma casa antiga… cheia de trincas, de história, de poeira acumulada nos cantos da alma. E aí a gente, besta, oferece café, empresta cobertor, abre janela pra entrar sol e esquece de trancar a porta da dignidade.

 

Eu, que sempre acreditei que cuidado era entrega… que presença era dívida… fui, por muito tempo, escrava dessa frase doce e perigosa do tal Pequeno Príncipe. Aquela de ser eternamente responsável por aquilo que se cativa. Como se o afeto fosse uma coleira de ouro. Como se amar alguém obrigasse a ficar mesmo quando o coração já tá indo embora faz tempo.

 

Mas veja... nesses últimos dois meses eu desci muito mais que os metros da mina subterrânea. Eu desci em mim. Visitei os porões das minhas crenças, das minhas lealdades sem sentido, das minhas promessas silenciosas. E descobri, com a poeira nos olhos e o cansaço nos ombros, que o tal “eternamente responsável” pode virar algema.

 

Porque, às vezes, a gente cativa alguém enquanto era outro. Enquanto ainda acreditava em outra coisa. Enquanto o corpo ainda cabia naquela roupa emocional. E hoje… hoje não cabe mais. E tá tudo bem.

 

A gente evolui. A gente se larga. A gente cansa de sustentar estruturas que ruíram por dentro, mas continuam em pé só por teimosia estética. Eu precisei ver câmaras sem ventilação, precisar da refrigeração que não vinha… pra entender que até o corpo implora por mudança. Que até a estrutura de concreto tem um limite. Imagina o coração?

 

Então, desculpa Pequeno Príncipe… mas eu não vou mais ser responsável por aquilo que já virou ruína. Por aquilo que foi bonito, sim, mas agora é só peso.

 

Tem um tempo em que cativar é doçura… depois vira prisão. E eu me cansei de cumprir pena em nome de frases fofas.

 

Hoje eu aprendi que liberdade também é dizer: “isso não é mais meu”. E que desistir pode ser o ato mais corajoso de amor próprio.

 

Nem tudo o que a gente cativa, cabe na volta. E tá tudo bem. Que cada um siga com sua parte da história… e que a gente não se traia só pra não magoar o outro.

 

Afinal, tem coisa que se solta… pra gente poder voltar a respirar.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 29/06/2025
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