... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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Vivemos um tempo em que tudo vira manchete, tudo vira opinião, tudo vira post. E, nesse mundo apressado de indignações seletivas, pouca gente para pra pensar no óbvio: que nem toda tragédia tem solução simples, nem toda vida pode ser salva com uma hashtag ou um avião da FAB.

 

Hoje, vi compararem o resgate de um cavalo, ilhado no telhado de uma casa no Rio Grande do Sul, com a agonia de Juliana, a brasileira que morreu presa em um vulcão ativo do outro lado do mundo. Dói escrever isso. Dói porque a vida dela importa. Porque qualquer vida importa. Mas me assusta como perdemos a capacidade de analisar o todo. A gente quer culpados. E, de preferência, rápidos.

 

O Estado virou alvo pra tudo: se não age, é omisso. Se age, é oportunista. Mas onde estão as perguntas certas?

 

O resgate de Juliana não era simples. Era uma cratera vulcânica, numa região remota da Indonésia. Um resgate ali exige mais do que vontade política. Exige acordo internacional, tecnologia de ponta, avaliação geológica, logística extrema. E, o mais importante: exige colocar outras vidas em risco.

 

E ninguém fala disso?!

 

Ninguém fala que, pra salvar alguém em um local inóspito como aquele, talvez fosse necessário arriscar a vida de cinco, dez profissionais. E, sim, pode parecer frio, mas isso precisa ser calculado. Cada missão de resgate exige uma análise de risco. E análise de risco não se faz com raiva ou emoção. Se faz com tempo, com estratégia, com conhecimento técnico.

 

Mas vivemos no tempo da fúria!!

 

Um tempo em que salvar um cavalo comove mais que tentar entender a complexidade de uma morte humana. Porque o cavalo estava ali, visível, ao alcance. Porque teve helicóptero, câmera e final feliz. Porque era Brasil. Porque já havia equipes mobilizadas por conta da enchente.

 

Com Juliana, não. Era longe, era difícil, era outro país. E, mesmo que o governo brasileiro quisesse agir com toda força, precisava primeiro pedir licença.

 

Pedir licença...??

... olha que coisa triste!!

 

Talvez essa seja a parte que ninguém quer ouvir: que, às vezes, pra salvar uma vida, a gente precisa aceitar que talvez não dê tempo. Que talvez a vida que a gente quer salvar exija uma estrutura que ainda não temos. E que talvez por mais doloroso que isso seja a gente precise proteger outras vidas antes de tentar resgatar quem já está no limite.

 

É duro? É! Cacete... !!?

 

Mas é como no avião: a máscara de oxigênio vem primeiro em você, depois em quem está ao lado. Porque, sem ar, você não salva ninguém... Entende??

 

Que isso nos sirva de reflexão. Que a gente aprenda a criticar com estratégia, com sensatez, e não só com revolta. Porque a vida, toda vida, merece mais do que manchete. Merece verdade. E, acima de tudo, responsabilidade.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 24/06/2025
Alterado em 25/06/2025
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