![]() A Ironia Que Nos Engole DevagarTem dias que eu fico pensando se a gente desaprendeu a ser sincero… ou se aprendeu a ironizar tudo como um jeito mais elegante de desistir.
Outro dia, relendo Kierkegaard — esse dinamarquês inquieto que parece ter vivido nossos dilemas bem antes da gente — me peguei travada numa frase que não estava escrita: será que a ironia salvava ou empurrava pra mais fundo? Porque em O Conceito de Ironia, quando ele fala de Sócrates, não é só sobre o filósofo grego que ele tá falando. É sobre nós. Sobre esse tipo de gente que vive perguntando tudo e não se compromete com nada.
Lá no fundo, Kierkegaard acreditava que a ironia era necessária... mas perigosa. Como um vinho forte demais: tu começa com uma taça, depois outra, e quando tu vê já não sabe mais se tá dançando porque gosta ou porque tropeçou. A ironia pode começar como ferramenta de lucidez, mas se tu não cuida, ela vira um jeito bonito de esconder covardia.
Hoje, o mundo parece viver bêbado dessa ironia. Tudo é piada. Tudo é zoeira. A política virou meme, a fé virou emoji, o amor virou legenda de story. E quando alguém fala sério, de peito aberto, de alma à mostra... chamam de carente, de chato, de intenso. Como se a verdade tivesse virado constrangimento.
Sócrates, pelo menos, ironizava pra desarmar o outro e convidar ao pensamento. Hoje a gente ironiza pra não ter que sentir. Não tem mais abismo, tem feed. Não tem mais diálogo, tem cancelamento. E no meio disso tudo, o sujeito — esse que Kierkegaard tanto defendia — vai desaparecendo. Viramos marionetes com frases prontas e risadas automáticas.
Ironia, hoje, é a proteção de quem cansou de tentar mudar as coisas. É o escudo de quem desistiu do ideal porque doeu demais encarar a realidade. Mas... e se a gente tentasse o contrário? E se a gente ousasse ser sincero, mesmo tropeçando? E se a gente fosse como aquele Sócrates que enfrentou um mundo inteiro dizendo “só sei que nada sei”, mas ainda assim escolheu morrer por uma verdade?
Tem dias que eu queria ser mais sócrata e menos cínica. Mais disposta a perguntar e menos apressada pra responder. Porque às vezes, no fundo de uma pergunta honesta, mora o começo de um caminho novo.
E mesmo que ninguém entenda... ainda prefiro me perder em silêncio do que viver gritando ironia só pra ninguém perceber que eu simplesmente não me importo. Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 05/06/2025
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