... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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O sacrifício da repetição...

A maior parte dos meus dias se desfaz em nada. Não são lembranças — são ecos. Réplicas estéreis do ontem, pensamentos que não fermentam, atos que não ardem. É um silêncio que não se ouve, mas corrói. Às vezes, fico imóvel... e sinto tristeza. Não daquelas que choram — mas daquelas que escavam.

 

E então vem a tarde.

 

No retorno pra casa, olho o céu como se não fosse mais meu. É o mesmo sol, o mesmo gesto de partir, mas cada vez é um outro adeus. Um outro brilho de fim. As nuvens, cúmplices impassíveis, desenham cores que nunca se repetem, ainda que tudo se repita. Isso me fere com ternura.

 

Sorrio — não de alegria, mas de um entendimento que queima devagar. A vida também é isso: uma mesmice sagrada que muda pelas bordas. As pessoas, os pensamentos, os delírios — eles não impedem a rotina, apenas a colorem, como sangue na água.

 

E nos dias em que tudo falha e nada muda, ainda assim... há beleza. Porque o sol, mesmo preso no mesmo ciclo, explode o céu em tons inéditos. E isso me basta.

 

Porque às vezes viver é isso: um sacrifício sem espetáculo. Uma entrega sem plateia. Um espasmo de beleza no abismo da repetição.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 28/05/2025
Alterado em 28/05/2025
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