... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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A rendição que ninguém ensina

Dizem que tudo passa. Que o tempo cura. Que basta acreditar. Repetem como mantras frases gastas, como se a dor fosse só uma questão de ângulo ou de fé mal posicionada. Mas ninguém fala do que acontece quando a dor não passa. Quando o tempo não cura. Quando a crença pesa mais do que alivia.

 

É curioso como a força é exaltada — como se ser forte fosse a única resposta aceitável diante do caos. Como se desabar fosse falha de caráter. A gente aprende cedo a sorrir em público e sangrar em silêncio. Aprende a seguir mesmo sem saber pra onde... só pra não incomodar.

 

Mas há um dia — e ele chega pra todos, cedo ou tarde — em que não dá mais pra consertar o que quebrou. A cola não gruda. O discurso não se sustenta. O cansaço é de existir, não só de trabalhar. E aí, talvez pela primeira vez, a gente encosta o corpo no chão e entende que não é fraqueza... é humanidade.

 

A verdade é que ninguém se salva sozinho — embora vivamos cercados por ideologias que vendem justamente essa ilusão. A religião se ocupa do inexplicável, a política se entretém com o que grita. Mas o que é sutil — o que rasga por dentro em silêncio — isso não cabe em nenhuma dessas estruturas.

 

Não há oração ou decreto que substitua o momento em que você para de fingir. Quando, ao invés de tentar vencer a dor, você só... deixa ela existir. Sem tentar nomear. Sem tentar justificar. Só deixa.

 

É aí que começa algo novo. Não porque magicamente tudo melhora, mas porque finalmente você não está lutando contra si.

 

Não é sobre encontrar sentido — isso é luxo pra quem ainda não entendeu que o mundo, no fundo, funciona por contradições. É sobre respirar mesmo sem vontade. Ficar mesmo sem certeza. Caminhar mesmo sem fé.

 

Não existe fórmula. Não existe caminho certo. Existe apenas essa delicada arte de continuar, mesmo quando tudo dentro de você já quis parar.

 

E é nessa rendição — tão íntima quanto impronunciável — que talvez more o primeiro sopro de paz. Não a paz que vendem nas vitrines ou nas igrejas. Mas aquela que brota quando, por fim, a gente se autoriza a ser só o que é: falho, frágil... e, ainda assim, inteiro.

 

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 17/05/2025
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