... Expressividade ...

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O Silêncio Que Custa Caro: Quando Falar é Atitude de Liderança

 

“Errar é humano. Persistir no erro é desumano.” – Barack Obama

 

Existem culturas organizacionais onde levantar a mão e apontar um problema é visto como um ato de afronta. Onde a crítica construtiva vira “birra”, e a prevenção é confundida com paranoia. Ambientes assim não se tornam mais produtivos, apenas mais silenciosos. E o silêncio, nesse caso, não é paz... é perigo disfarçado.

 

Na prática, quantas vezes já vimos profissionais evitarem apontar riscos claros, falhas no processo ou incoerências de execução, simplesmente para não se indispor com a liderança, com colegas ou com áreas “intocáveis”? Esse comportamento, aparentemente “educado”, se repete em empresas públicas, privadas, grandes ou pequenas. E o que começa como um gesto de autopreservação acaba virando combustível para falhas maiores, retrabalhos, prejuízos financeiros e — não raramente — acidentes graves.

 

O Caso Deepwater Horizon: Quando o Orgulho Cala a Prevenção

Em 2010, a plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, explodiu e matou 11 trabalhadores. O impacto ambiental foi catastrófico. A BP, empresa responsável, enfrentou bilhões em prejuízos e uma mancha reputacional que atravessou continentes. O detalhe? Na entrada da plataforma havia uma placa comemorando seis anos sem acidentes. O silêncio de quem via os riscos e não os comunicava virou uma tragédia anunciada.

 

Relatórios internos mostraram que operadores haviam identificado falhas no sistema de vedação do poço semanas antes. Mas, em vez de interromperem o ritmo ou colocarem o dedo na ferida, optaram por “não criar clima”. O resultado foi um dos maiores desastres industriais do século XXI.

 

A Cultura do "Deixa Pra Lá"

No Brasil, essa lógica se repete em milhares de empresas. Basta andar pelo chão de fábrica ou visitar um canteiro de obras para notar: há quem enxergue o erro, mas opte por engolir seco. Um técnico que evita corrigir o engenheiro, um operador que silencia diante de uma gambiarra, uma área que não comunica falhas no processo para não parecer incompetente.

 

Essa cultura de "não se indispor" é um retrato claro de imaturidade institucional. Como afirmou Simone de Beauvoir, “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. E, no mundo corporativo, o silêncio conivente é o maior aliado do erro sistêmico.

 

O Que Dizem os Especialistas?

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reforça que a base de uma cultura segura não é a ausência de incidentes, mas a presença ativa de diálogo. Segundo a metodologia Behavior-Based Safety (BBS), desenvolvida a partir das pesquisas de Thomas Krause, empresas com canais abertos para o reporte de quase-acidentes e falhas de processo têm um índice significativamente menor de acidentes fatais.

 

O paradoxo é curioso: companhias que “assumem” mais erros são, ironicamente, mais seguras. Isso porque errar não é o problema — esconder o erro, sim.

 

Falar Não é Reclamar — É Liderar

Muitas organizações ainda têm dificuldade de compreender que falar é uma forma de compromisso. Não é sobre “ter razão”, é sobre proteger o coletivo. O colaborador que alerta sobre um risco não é um criador de problemas. É alguém que entendeu o papel que ocupa na engrenagem da segurança e da qualidade.

 

“Liderança não é mandar, é servir e proteger”, como disse Simon Sinek. Um líder que se ofende com perguntas difíceis não é líder — é apenas um gestor carente de controle. E um ambiente onde só os simpáticos são ouvidos é um ambiente fraco.

 

Conclusão: O Corajoso Não é o Que Cala

O verdadeiro profissional não é o que se adapta ao erro para manter a paz, mas o que se posiciona com respeito para evitar o caos. A maturidade de uma equipe se mede não pelo silêncio, mas pela qualidade das conversas difíceis que ela consegue sustentar. Falar é, muitas vezes, o gesto mais responsável que se pode ter.

 

Na próxima vez que vc sentir vontade de se calar pra evitar conflito, pense no seguinte: talvez a sua palavra seja o que separa a prevenção da tragédia.

 

 

Referências:

 

Bureau of Safety and Environmental Enforcement (BSEE). “Deepwater Horizon Accident Investigation Report.” EUA, 2011.

Krause, Thomas R. Behavior-Based Safety Process. Wiley-Interscience, 1997.

Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segurança e Saúde no Trabalho: Uma Visão Global, 2020.

Sinek, Simon. Leaders Eat Last. Penguin Books, 2014.

Obama, Barack. Discurso na Universidade de Michigan, 2010.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 16/05/2025
Alterado em 16/05/2025
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