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"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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Leão XIV e a urgência de um novo pacto moral: entre o rugido do passado e o silêncio dos dias de hoje

 

"O mundo não precisa de mais um Papa. Precisa de coragem."

 

Foi anunciada hoje a eleição de Leão XIV, o primeiro norte-americano a ocupar o trono de Pedro. Muita gente celebrando, muitos tentando entender o que esse nome — antigo, robusto e aparentemente conservador — quer nos dizer. Mas o que mais me intriga não é a fumaça branca. É o que há por trás dela.

 

Escolher “Leão” em pleno 2025 não é um capricho de nostalgia. É uma declaração política. É dizer: há algo no passado que precisa ser resgatado antes que se perca de vez. Leão XIII, o último a usar esse nome, foi o Papa que ousou falar de justiça social quando a Igreja ainda flertava com os tronos da aristocracia. Publicou a Rerum Novarum e escancarou o abismo entre a doutrina e os explorados da revolução industrial. Em vez de defender os donos das fábricas, falou do suor dos trabalhadores.

 

Mas Leão XIII fez mais: colocou a razão ao lado da fé. Reabilitou Tomás de Aquino não para repetir dogmas, mas para construir pontes com o pensamento moderno. Estava cercado por impérios, cientificismo e anticlericalismo, e ainda assim escolheu o diálogo. Não mandou calar. Quis escutar.

 

2025. Vivemos uma nova revolução — mas agora digital. O trabalhador invisível de hoje é o algoritmo, a máquina que substitui e a criança do Congo que minera lítio para alimentar nossos celulares. Há fome — mesmo quando há sobra. Há guerra — mesmo com inteligência artificial. E a Igreja, mais uma vez, parece procurar sua voz num mundo que só quer gritar para dentro das telas.

 

Papa Francisco tentou algo raro: devolver o rosto humano à Igreja institucional. Foi julgado como populista por muitos, mas sua força esteve justamente onde os outros falharam: na escuta. Ele não buscou dogmas, buscou corpos. Corpos feridos, pobres, expulsos, indígenas, migrantes. Foi chamado de comunista — e talvez isso diga mais sobre o mundo do que sobre ele.

 

Agora, com Leão XIV, o que veremos? Um retorno à rigidez doutrinal ou um avanço para um novo pacto moral global?

 

Porque é disso que se trata.

 

O mundo não precisa de discursos bem articulados — precisa de ações que salvem vidas reais.

 

O novo Papa terá que lidar com a inteligência artificial dominando os sentidos, com líderes mundiais disputando vaidades nucleares, com o avanço do ódio travestido de fé, e com a indiferença como religião dominante. O inimigo de hoje não é o ateísmo. É o cinismo.

 

A pergunta não é se Leão XIV será conservador ou progressista. A pergunta é: ele será corajoso? Terá coragem de dizer que a fé, se não serve para aliviar a dor do mundo, é só retórica? Terá coragem de se indispor com os donos do poder em nome dos que não têm nem voz?

 

Que ele seja “leão” não no tom, mas no ato. Que ruja contra a guerra, mas também contra a desigualdade. Que morda os excessos da tecnologia que desumaniza e que proteja os que têm fome, sede e medo — os que nem sabem mais se acreditam.

 

A Igreja não precisa de um novo espetáculo. Precisa de verdade. Precisa de presença. Precisa de chão.

 

E se o novo Papa for mesmo herdeiro de Leão XIII e discípulo de Francisco, então que desça do trono, vá até a poeira e, de lá, reconstrua. Porque já tem fumaça demais — e fogo, também.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 08/05/2025
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