![]() Análise crítica de Ana Karenina, por um olhar atual e brasileiro
A tragédia de Ana Karenina não está no adultério. Está no fato de que ela ousou escolher — e, ao escolher, foi punida.
Tolstói escreveu Ana Karenina no século XIX, mas é impossível ler a obra hoje sem pensar no Brasil de 2025. A crítica social russa, camuflada entre carruagens, bailes e casamentos arranjados, se parece demais com o que ainda vivemos aqui — sobretudo quando se trata do controle sobre os corpos femininos, da hipocrisia institucional e do moralismo seletivo.
Ana não é apenas uma mulher apaixonada. Ela é uma mulher sufocada por um sistema que dita como deve amar, com quem deve estar e o quanto pode sentir. Quando rompe com o casamento e assume seu desejo, não encontra liberdade — encontra a solidão. A elite russa de Tolstói é a mesma elite brasileira que hoje crucifica mulheres por escolhas íntimas, mas aplaude homens “de família” que colecionam escândalos e amantes. A diferença entre Ana e Vronsky é a mesma que vemos entre mulheres públicas e seus pares políticos: ela é difamada, ele é promovido.
Além disso, Ana adoece. E isso não é só metáfora. O ciúme, a rejeição social, o isolamento materno e o julgamento constante fazem com que ela perca o senso de realidade. Sua mente se fragmenta — um retrato de tantas mulheres brasileiras que sofrem transtornos mentais silenciosamente, enquanto criam filhos sozinhas, enfrentam julgamentos morais ou são vítimas de violência simbólica.
E o que dizer de Levin? Ele é o contraponto de Ana, mas não seu oposto. Levin também busca algo que falta: sentido. Sai das festas vazias e dos salões de aparência para o campo, tentando encontrar na simplicidade e no trabalho uma forma de existir que não seja só performance. Em tempos de burnout, de influencers vendendo felicidade e de um país que se industrializa sem ética, Levin é o brasileiro que larga o escritório e vai plantar orgânicos em Goiás — não por moda, mas porque precisa respirar.
Tolstói nos mostra que a decadência moral não está no pecado, mas na conveniência. E isso, no Brasil de hoje, é insuportavelmente real. Quantos condenam o beijo gay, mas se calam diante de corrupção milionária? Quantos apontam o dedo para o pobre que rouba comida, mas silenciam frente ao empresário que sonega milhões?
Ana Karenina é uma denúncia elegante e brutal. É sobre o amor que não cabe na moral vigente. Sobre a mulher que não se encaixa e por isso é descartada. Sobre o homem que só encontra paz quando para de tentar agradar. É um espelho que ainda incomoda — porque nos vemos nele. Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 04/05/2025
Alterado em 04/05/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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