... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

Textos


Exercício sobre o livro: Arrogância da Oração, de Emil M. Cioran

Quando se chega ao limite do monólogo, aos confins da solidão, inventa-se — na falta de outro interlocutor — Deus, pretexto supremo de diálogo. Enquanto o nomeias, tua demência está bem disfarçada e… tudo te é permitido. O verdadeiro crente mal se distingue do louco; mas sua loucura é legal, admitida; acabaria em um asilo se suas aberrações estivessem livres de toda fé. Mas Deus as cobre, as torna legítimas. O orgulho de um conquistador empalidece comparado à ostentação do devoto que se dirige ao Criador. Como se pode ser tão atrevido? E como poderia a modéstia ser uma virtude dos templos, quando uma velha decrépita, que imagina o Infinito ao seu alcance, eleva-se pela oração a um nível de audácia ao qual nenhum tirano jamais aspirou?

 Sacrificaria o império do mundo por um só momento em que minhas mãos juntas implorassem ao grande Responsável de nossos enigmas e de nossas banalidades. Entretanto, esse momento constitui a qualidade corrente — e como que o tempo oficial — de qualquer crente.
Mas quem é verdadeiramente modesto repete a si mesmo:
"Demasiado humilde para rezar, demasiado inerte para transpor o limiar de uma igreja, resigno-me à minha sombra e não quero uma capitulação de Deus ante minhas orações."
E aos que lhe propõem a imortalidade, responde:
"Meu orgulho não é inesgotável: seus recursos são limitados. Pensam, em nome da fé, vencer seu eu; na realidade, desejam perpetuá-lo na eternidade, pois não lhes basta esta duração presente. Sua soberba excede em refinamento todas as ambições do século. Que sonho de glória, comparado ao seu, não se revela engano e vã ilusão?"
Sua fé é apenas um delírio de grandeza tolerado pela comunidade, porque utiliza caminhos camuflados; mas seu pó é sua única obsessão: gulosos do intemporal, perseguem o tempo que os dispersa.
Só o além é bastante espaçoso para suas cobiças; a terra e seus instantes parecem demasiado frágeis.
A megalomania dos conventos supera tudo o que jamais imaginaram as febres suntuosas dos palácios.
Quem não admite sua nulidade é um doente mental.
E o crente, entre todos, é o menos disposto a consentir.
A vontade de durar, levada até tal ponto, apavora-me. Recuso-me à sedução malsã de um Eu indefinido.
Quero chafurdar-me em minha mortalidade. Quero permanecer normal.
 
(Em tom de oração, o autor finaliza:)
 
Senhor, dá-me a faculdade de jamais rezar, poupa-me a insanidade de toda adoração, afasta de mim essa tentação de amor que me entregaria para sempre a Ti. Que o vazio se estenda entre meu coração e o céu!
Não desejo ver meus desertos povoados com Tua presença, minhas noites tiranizadas por Tua luz, minhas Sibérias fundidas sob Teu sol.
Mais solitário do que Tu, quero minhas mãos puras, ao contrário das Tuas que se sujaram para sempre ao modelar a terra e ao misturar-se nos assuntos do mundo.
Só peço à Tua estúpida onipotência respeito para minha solidão e meus tormentos.
Não tenho nada a fazer com Tuas palavras.
Concede-me o milagre recolhido antes do primeiro instante, a paz que Tu não pudeste tolerar e que Te incitou a abrir uma brecha no nada para inaugurar esta feira dos tempos, e para condenar-me assim ao universo, à humilhação e à vergonha de existir.

 

 

Dissertação:

 

"A Oração como Espetáculo: Do Silêncio à Arrogância na Era da Fé Midiática"

 

Introdução:

Vivemos uma era em que a espiritualidade, antes um ato íntimo e silencioso, foi transformada em espetáculo. Inspirado pela crítica de Emil Cioran em Breviário de Decomposição, observamos que o ato de orar, que deveria ser um diálogo humilde com o transcendente, se converteu em uma performance pública, frequentemente desprovida da profundidade que a verdadeira fé exige.

 

Desenvolvimento:

 

1. O Legado Crítico de Cioran:

Emil Cioran, em seu tempo, via a oração como um ato de arrogância humana, uma tentativa de impor nossos desejos a um Deus silencioso. Para ele, a oração revelava a recusa humana em aceitar sua própria mortalidade e insignificância.

 

2. A Transformação da Fé em Espetáculo:

Hoje, a crítica de Cioran ganha novos contornos. Com a ascensão das redes sociais e a espetacularização da religião, a oração muitas vezes se torna uma exibição pública. O silêncio contemplativo dá lugar ao barulho das multidões, e a introspecção é substituída pelo desejo de visibilidade.

 

3. A Perda de Francisco e o Fim da Simplicidade:

A figura do Papa Francisco representava uma tentativa de resgatar a simplicidade e a profundidade da fé. Com sua perda, teme-se que a fé se torne ainda mais superficial, mais voltada ao espetáculo do que ao recolhimento interior.

 

4. O Impacto na Espiritualidade Contemporânea:

Ao transformar a fé em espetáculo, perdemos a essência do que significa buscar o divino. A oração, que deveria ser um ato de humildade e encontro pessoal com o sagrado, se torna um instrumento de autopromoção.

 

Conclusão:

 

Cioran, se vivesse hoje, provavelmente nos alertaria para o perigo de uma fé que perdeu sua essência silenciosa e humilde. A verdadeira espiritualidade não se encontra nos holofotes, mas no recolhimento, na simplicidade e na busca sincera pelo transcendente. A leveza que Francisco trouxe nos lembra que, apesar de toda a crítica e desconforto, a fé verdadeira ainda pode ser um refúgio de paz, desde que cultivada com autenticidade e humildade.

 

Referência Bibliográfica:

 

CIORAN, Emil M. Breviário de Decomposição. Trad. José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 29/04/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários
carregando

Tela de Claude Monet
Site do Escritor criado por Recanto das Letras