... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

Textos


Quando a História se Torna Prisão:

A Dor da Transformação nas Organizações

 

Existem histórias que merecem ser contadas e celebradas. Existem legados que construíram caminhos onde antes só havia mato e incerteza. Mas há também momentos em que o próprio apego ao passado se torna um obstáculo... silencioso, emocional e paralisante.

 

Em muitas empresas, esse conflito emerge de maneira crua quando a organização decide mudar. - O que era pequeno e orgânico precisa agora ser grande e estruturado. - O que era feito “como sempre foi” precisa, de repente, seguir normas, processos, métricas e controles.

 

A dor é inevitável.

E, para muitos, parece traição.

 

As Dores que Não se Quer Nomear

Num cenário onde a mudança chega — seja por nova gestão, nova visão estratégica ou necessidade de mercado —, as dores surgem rapidamente:

 

Insegurança:

Os antigos colaboradores, aqueles que construíram o que existe hoje, passam a temer pela própria relevância. Sentem-se ameaçados por novos métodos, novos cargos, novos colegas.

 

Demissões silenciosas:

Não são apenas cortes de números. São desligamentos de identidades. Pessoas que sempre fizeram parte do alicerce se veem, de repente, fora do jogo.

 

Ações reativas:

O medo gera resistência. Surgem sabotagens veladas, boicotes inconscientes, discursos nostálgicos que tentam provar que "o novo não funciona". É o grito abafado de quem sente que não foi ouvido.

 

Decepções inevitáveis:

A base da empresa, que por tanto tempo acreditou que a história seria eternamente valorizada, precisa encarar uma realidade dura: no topo da pirâmide, a visão é de futuro. O topo enxerga competitividade, lucratividade, eficiência — não memórias.

 

O Que Não se Pode Esquecer

É verdade: sem história, não há futuro. - Cada meta batida ontem, cada improviso que virou processo, cada esforço invisível é parte do que sustenta a empresa hoje. A base — aqueles que começaram no chão de fábrica, no campo, nos pequenos escritórios — carregam um saber prático que não pode ser ignorado.

 

Mas é igualmente verdade:

não se pode viver apenas de história.

O mercado não respeita memórias.

Ele respeita quem evolui.

 

Permanecer no passado, recusar o aprendizado, ignorar o novo mundo que se desenha lá fora — tudo isso é cavar, lentamente, a própria obsolescência. O profissional que não se atualiza, que não estuda, que não questiona, não é traído pela empresa. É traído pela própria inércia.

 

A Cultura Precisa Virar a Chave — de Verdade

Para que a transformação seja real, ela precisa ser desejada e dirigida a partir do topo. - Não adianta apenas cobrar mudanças de comportamento se as lideranças continuam reverenciando práticas ultrapassadas em nome da "lealdade" ou da "história". Cultura não se transforma por decreto. Cultura se transforma por desejo e exemplo.

 

O topo da pirâmide — CEOs, diretores, gerentes — precisa mostrar que mudança é inegociável. - Precisa comunicar que respeitar a história não significa aprisionar-se nela. Precisa oferecer clareza, acolhimento e oportunidade para quem quiser se reinventar.

 

Mas também precisa ter a coragem de seguir em frente...

mesmo que alguns escolham ficar para trás.

 

O Papel da Base: Escolha ou Resistência

A base da organização, por sua vez, também precisa fazer suas escolhas. - Encerrar o ciclo do ressentimento, da nostalgia paralisante, do "no meu tempo era melhor" — e assumir a responsabilidade de evoluir.

 

É duro perceber que o topo, muitas vezes, valoriza mais o que a pessoa pode fazer amanhã do que o que ela fez ontem. - É amargo entender que o mercado olha para frente, e não para trás. Mas é libertador aceitar que ninguém é obrigado a ser vítima do próprio passado.

 

O que nos trouxe até aqui merece respeito.

Mas não é o bastante para nos levar adiante.

 

Conclusão: A Coragem de Crescer

Mudança cultural é, acima de tudo, um processo humano. - É atravessar lutos silenciosos, vencer a tentação da resistência, aceitar que mudar não é esquecer — é honrar o que fomos, transformando-nos para o que podemos ser.

A história é uma base. - O futuro é uma construção diária. E a liberdade real, como Kant nos ensinou, está em agir não pelo que nos conforta, mas pelo que é necessário. - No fim, as organizações que sobrevivem não são as mais antigas, nem as mais poderosas. São aquelas que têm a humildade de aprender... e a coragem de mudar.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 27/04/2025
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