... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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Tem gente que aparece na nossa vida só pra apertar “encaminhar”.

Encaminha o vídeo.

Encaminha a foto.

Encaminha o áudio.

Encaminha... a frieza.

 

E a gente recebe.

Sem nome. Sem contexto. Sem intenção.

Como se fosse só mais um destinatário genérico da vida de alguém que não sabe — ou não quer — se fazer presente de verdade.

 

É estranho, porque não foi sempre assim.

Houve um tempo em que a palavra dele me chegava quente, com pontuação emocional, com respiro, com toque.

Hoje, tudo o que recebo parece reciclado.

Reaproveitado.

Doado por engano.

 

A psicologia chama isso de desconexão afetiva funcional. Deborah Danner, psicóloga clínica, diz que pessoas assim não necessariamente são más — mas muitas vezes estão tão emocionalmente indisponíveis que só conseguem se relacionar com o mundo por atalhos. Encaminhar um áudio que não era pra mim é um desses atalhos. Poupa envolvimento. Evita vínculo. Não exige resposta.

 

A psiquiatra Sarah Hamilton diz que esse tipo de gesto — repetido, automático, sem cuidado — pode ser um mecanismo de autoproteção. Mas também pode ser só desinteresse embrulhado em "lembrança". E aí mora o perigo: a gente confunde presença com notificação.

 

O que ele me mandou não foi sobre mim. Foi sobre ele.

Sobre o cachorro dele.

Sobre o áudio que ele mandou pra outro alguém.

E que, de alguma forma, achou que eu deveria ver.

Por quê? Não sei. Talvez pra manter um fio tênue de ligação...

Mas sem dar trabalho demais.

Sem perguntar como eu tô.

Sem se importar se eu ainda tô.

 

Então eu deletei.

Não foi raiva. Nem orgulho.

Foi só um jeito silencioso de me escolher.

De não aceitar ser figurante em uma história onde um homem só sabe me colocar como destinatária Bcc: — oculta, invisível, descartável.

 

A gente precisa aprender que o amor não é o que sobra.

Não é o que se encaminha.

É o que se escreve com intenção, com presença, com a coragem de dizer: “isso é pra você”.

 

E eu… não recebo menos que isso.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 24/04/2025
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