... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

Textos


“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

(Mc 15,34)

https://www.recantodasletras.com.br/mensagensreligiosas/3600005

(Vestindo minha publicação de 2012, com o pensamento atual de estudante de Filosófia)

 

Essa frase atravessa o peito.

Não tem fé, nem filosofia, nem chão firme quando a gente escuta isso.

Porque até Jesus, o tal do “Filho de Deus”, grita.

Grita com a garganta rasgada…

questionando o próprio céu.

 

E eu penso…

se até ele se sentiu abandonado, por que a gente tem tanto medo de admitir isso?

Por que fingem que fé é certeza, se até Deus… duvidou de Deus?

 

Lá no texto de 2012 eu tentei justificar:

 

(...)“O teu imenso amor a isto

te conduz…” (...)

 

Mas hoje, eu não tento mais explicar.

Hoje eu deixo doer.

Hoje eu entendo que tem momentos em que a gente só sente o abandono.

Só o escuro.

Só o eco da pergunta.

 

Quem entendeu isso profundamente foi Kierkegaard... O filósofo da angústia.

O que não teve medo de dizer que fé é salto — e que esse salto é feito no vazio, com o peito aberto e o chão sumindo.

Ele olharia pra esse grito de Jesus e diria:

“Ali... nasceu o desespero de quem ama sem resposta.” - E talvez também o começo de toda fé real.

 

Mas se eu coloco Zygmunt Bauman nessa roda — esse cara que mapeou o medo líquido, as conexões frágeis, os deuses substituíveis — ele diria que hoje ninguém aguenta mais se sentir abandonado. A gente troca, desconecta, deleta antes de encarar o silêncio do abandono. Hoje ninguém grita “por quê?”… só muda de aba. Muda de pessoa. Muda de fé.

 

E eu?

Eu não mudei.

Mas também não fiquei igual.

Hoje eu não ajoelho diante de altar…

ajoelho diante da dúvida.

 

E quando grito — e sim, às vezes eu grito — não é falta de fé. É excesso de amor.

É desespero de ainda acreditar… mesmo quando o céu fica mudo.

 

Porque, no fundo, Simone de agora entende o que Simone de 2012 escrevia tentando evitar:

 

Que o abandono, às vezes, é necessário pra fé deixar de ser hábito...

e virar encontro.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 18/04/2025
Alterado em 18/04/2025
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