Mais um dia...

Acordei com a calcinha enrolada na perna e um gosto de cinza na boca. Não lembrava do último gole, mas a dor de cabeça dizia que foi o suficiente pra fazer besteira. Peguei o celular do chão – nenhuma mensagem, nenhuma ligação perdida. Ninguém sentiu minha falta.

Levantei, tropecei no salto jogado no meio do quarto, chutei ele pro canto. O espelho me olhou torto: olheiras fundas, batom borrado no queixo, cabelo parecendo um ninho de rato. Suspirei.

Fui pra cozinha. Café requentado, cigarro aceso, a pia cheia de louça. Peguei o maço jogado na mesa e balancei—último cigarro. Foda-se. Acendi e deixei a fumaça preencher o buraco no peito.

No mercado, a moça do caixa me olhou com aquela cara de "já vi esse filme antes". Peguei um pacote de pão, um vinho barato e balancei a cabeça pro cara da fila que tentou um sorriso. Nem se desse pirueta no fogo, amor.

Na rua, uma buzina estridente me fez pular e derrubar a carteira. O vento jogou algumas moedas pra longe. "Só pode ser brincadeira", murmurei, catando as que restaram.

Cheguei em casa, tirei o sutiã, larguei a bolsa no chão e me joguei no sofá. O vinho desceu rasgando, o cigarro acabou, e eu fiquei ali, encarando o teto.

Mais um dia. Mais um caralho de dia.