Filha das Águas

Dizem que algumas almas não pertencem à terra firme. São feitas de mar, de cachoeira, de rio correndo entre pedras, de chuva que toca a pele como bênção. São filhas das águas, regidas por mistérios que só quem escuta o canto das marés pode compreender. E eu sou uma delas.

A água me chama. Ela sussurra meu nome no vai e vem das ondas, na queda infinita da cachoeira que despenca dos céus, na correnteza que dança livre entre galhos e folhas. Quando o mundo pesa, quando os pensamentos se espalham como folhas ao vento, é a água que me acolhe, que me organiza. Como uma velha mãe sábia, ela me envolve e me lembra quem sou.

Ali, diante do oceano ou sob a luz prateada da lua refletida em um rio calmo, tudo se cala dentro de mim. Os ruídos do mundo se dissolvem e eu ouço. Ouço o que o mar fala em sua língua antiga, o que os rios contam sobre caminhos escondidos, o que as gotas da chuva sussurram quando tocam minha pele. E nesses momentos, eu sei: sou feita dessa força, sou parte desse feitiço ancestral.

Carrego no peito a coragem das águas que não conhecem barreiras. O mar não teme o rochedo, a cachoeira não hesita antes da queda, o rio não se assusta com os caminhos tortuosos. Eu sou como eles. Avanço, transbordo, escorro pelos desafios e, se preciso, afundo para depois emergir mais forte.

E quando as águas deságuam de mim — em lágrimas que escorrem pelo rosto, em suor que prova a luta, em gozo que celebra a vida — é apenas mais um lembrete de que estou viva. Que ainda pulsa em mim o desejo, a fome de sonhos, a ânsia por conquistas.

Então, se me vires chorar, não te enganes. Meu choro não é fraqueza. É poder, é conexão, é encanto. É a confirmação de que caminho de mãos dadas com o destino, seguindo a trilha das águas, fluindo em direção ao que é meu por direito.

Porque quem nasce das águas não teme as tempestades. Aprende a dançar com elas.