![]() O Dilema de Ir Embora: Perspectivas Filosóficas e Psiquiátricas sobre a Dor da Separação
A experiência de partir de um lugar ou de alguém que se ama é uma das dores mais universais da condição humana. A decisão de ir embora pode ter diversas motivações – preservação da relação, cuidado com o outro ou até a dolorosa constatação de não ser uma escolha prioritária. Essa complexa vivência emocional pode ser analisada sob a ótica da filosofia e da psiquiatria, pois envolve aspectos existenciais, emocionais e psicológicos.
A Perspectiva Filosófica: A Liberdade e a Escolha
A filosofia tem explorado há séculos o conceito de "ir embora" como um dilema existencial ligado à liberdade, à autonomia e à angústia das escolhas humanas. Jean-Paul Sartre (1943), em O Ser e o Nada, argumenta que somos condenados à liberdade, ou seja, somos responsáveis por nossas escolhas, mesmo quando elas nos trazem sofrimento. O ato de partir pode ser visto como um exercício dessa liberdade: não permanecer em um lugar ou ao lado de alguém que não nos escolhe é uma afirmação da própria existência.
Arthur Schopenhauer (1819), em O Mundo como Vontade e Representação, descreve o amor como um mecanismo da vontade da vida, impulsionado pela necessidade de preservação da espécie. Para ele, o amor não é necessariamente um sentimento benevolente, mas um jogo de forças instintivas que muitas vezes nos leva à ilusão e ao sofrimento. Nesse sentido, ir embora pode ser um ato de resistência contra essas forças cegas, permitindo que a razão prevaleça sobre a emoção.
Por outro lado, Friedrich Nietzsche (1886), em Além do Bem e do Mal, nos lembra que o sofrimento é inerente à experiência humana e pode ser uma oportunidade de crescimento. A dor da separação pode ser interpretada como um estágio necessário para a construção da autonomia emocional e do fortalecimento do eu.
A Perspectiva Psiquiátrica: O Impacto Emocional e a Saúde Mental
A psiquiatria e a psicologia analisam a dor da separação sob a ótica do apego, do luto e do impacto emocional na saúde mental. John Bowlby (1969), criador da Teoria do Apego, afirma que as conexões humanas são fundamentais para o desenvolvimento psicológico e que a separação pode desencadear processos de ansiedade, tristeza e até sintomas depressivos.
Segundo Elisabeth Kübler-Ross (1969), em Sobre a Morte e o Morrer, a dor da separação pode ser comparada ao luto, pois envolve estágios como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Cada indivíduo vivencia esse processo de maneira única, e algumas pessoas podem permanecer presas em um ciclo de sofrimento prolongado.
Do ponto de vista neurobiológico, a dor emocional ativa as mesmas áreas do cérebro envolvidas na dor física, conforme demonstrado por estudos de Naomi Eisenberger (2003), que explorou a sobreposição entre a dor social e a dor física. Isso explica por que o término de uma relação ou a necessidade de se afastar de alguém pode ser tão avassalador.
A psiquiatria moderna reconhece que a separação pode desencadear transtornos como depressão e ansiedade, especialmente em pessoas com histórico de relações traumáticas. Nesses casos, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado eficaz para reestruturar pensamentos disfuncionais e promover uma adaptação emocional mais saudável.
Conclusão: O Paradoxo de Partir para se Encontrar
A dor de ir embora é uma experiência multifacetada, carregada de significados filosóficos e impactos psicológicos. Se, por um lado, o afastamento pode representar uma escolha consciente em prol do bem-estar próprio e do outro, por outro, ele também pode desencadear sentimentos de rejeição e solidão.
Entretanto, tanto a filosofia quanto a psiquiatria concordam que a dor da separação, quando bem elaborada, pode ser um caminho para o autoconhecimento e o crescimento pessoal. Como dizia Nietzsche, "aquilo que não me mata, me fortalece". Em última instância, aprender a ir embora pode ser, paradoxalmente, uma forma de aprender a permanecer consigo mesmo. --- Referências Bibliográficas: BOWLBY, John. Attachment and Loss: Vol. 1. New York: Basic Books, 1969.
EISENBERGER, Naomi I.; LIEBERMAN, Matthew D. Why Rejection Hurts: A Common Neural Alarm System for Physical and Social Pain. Trends in Cognitive Sciences, v. 8, n. 7, p. 294-300, 2003.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. On Death and Dying. New York: Macmillan, 1969.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. Leipzig: C. G. Naumann, 1886.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Paris: Gallimard, 1943.
SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. Leipzig: Brockhaus, 1819.
Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 02/02/2025
Alterado em 03/02/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |