... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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Era para ser um lugar de cura. Um espaço onde a compaixão ecoasse pelos corredores, onde a dedicação ao outro fosse o centro gravitacional de cada movimento. Mas, naquele hospital, a saúde não era o protagonista. Ali, ela era um ator cansado, relegado ao fundo do palco, enquanto as fofocas brilhavam sob os holofotes da imaturidade e da inexperiência de uma liderança que parecia não compreender seu papel.

 

Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, argumentava que a virtude está no equilíbrio – no meio termo entre o excesso e a deficiência. No entanto, o hospital parecia navegar num mar de extremos. Em vez de equilíbrio, havia supervisores que gritavam ordens sem conhecer os processos, chefes que julgavam as competências de suas equipes pelo tom das mensagens de WhatsApp, e um ar sufocante de desconfiança que corroía as relações interpessoais. Era como se a bússola moral tivesse sido trocada por câmeras de vigilância e olheiros clandestinos.

 

Para Platão, a verdadeira liderança está atrelada ao conhecimento do Bem – uma noção que vai além do individual, abrangendo o coletivo. Mas, ali, o que se via era a doxa (opinião), não a episteme (conhecimento). A opinião dos "olheiros" e as interpretações distorcidas das intenções alheias moldavam as decisões de uma liderança que não entendia que liderar é, antes de tudo, servir.

 

A fofoca, esse vírus que nenhuma máscara impede de se espalhar, transformava-se na ferramenta preferida daqueles que, na ausência de carisma e empatia, buscavam controle. Nietzsche, em sua crítica à moral dos fracos, diria que ali residia o triunfo da mediocridade. A fofoca dava poder aos inseguros, permitindo que eles mascarassem sua incapacidade de criar um ambiente onde as pessoas se sentissem valorizadas e motivadas. Enquanto isso, os profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, auxiliares – lutavam para equilibrar a balança. Eram eles que, mesmo sob o peso da vigilância e da desconfiança, mantinham o sistema funcionando. Mas até quando? Hannah Arendt, em A Condição Humana, alertava que o trabalho sem ação transformava o ser humano em uma engrenagem de máquina, roubando sua capacidade de criar, inovar e, principalmente, resistir. Ali, muitos profissionais começavam a perder o brilho nos olhos, substituído por um cansaço resignado.

 

Mas, e a saúde? A verdadeira estrela, que deveria ser cuidada como um bem comum? Ela permanecia, no fundo, tentando sobreviver ao espetáculo grotesco. O hospital, que deveria ser um templo de acolhimento, se tornava um labirinto onde o Minotauro era a desumanização institucional. O que faltava era uma liderança de verdade – alguém que compreendesse o que Confúcio já sabia séculos atrás: “Quem governa por meio da virtude é como a estrela polar, que permanece no seu lugar enquanto todas as outras giram ao seu redor.” Liderança não é sobre monitorar o status de um funcionário, mas sobre inspirar ações que beneficiem o todo. Não é sobre ser temido ou controlar, mas sobre construir confiança. E, talvez, ainda houvesse esperança. Bastava um espelho, ainda que quebrado, para que a liderança se olhasse de verdade e perguntasse: "Estou aqui para curar ou para controlar?" Para construir ou para vigiar?" No momento em que a resposta fosse sincera, talvez a saúde finalmente pudesse sair do papel de coadjuvante e recuperar seu lugar de direito no palco principal.

 

Afinal, como dizia Sócrates:

“Uma vida não examinada não merece ser vivida.” E um hospital onde a fofoca supera a cura não merece ser chamado de hospital.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 20/01/2025
Alterado em 20/01/2025
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