Era mais uma tarde ordinária em meio à rotina turbulenta do hospital, quando recebi o chamado do diretor administrativo. Um convite formal, mas com um tom que já denunciava o que estava por vir. Caminhei até a sala dele, como quem já sabe o destino da conversa. Não era surpresa, apenas a oficialização do que já estava nos bastidores.
Ele começou com calma, quase ensaiado. Disse que meu ciclo havia chegado ao fim, que os processos que implementei seriam continuados, e que meu trabalho tinha deixado uma marca importante. Ele parecia nervoso, como se carregar aquela tarefa fosse uma responsabilidade pesada demais. A seu lado, a inseparável assessora do diretor-geral, pronta para gravar cada palavra e, sem dúvida, enviar para o "chefão". Um teatro corporativo que parecia mais uma peça mal ensaiada do que uma despedida séria.
Enquanto ele falava, minha mente vagava. Pensei no diretor-geral, o “bebezão” de 34 anos que comanda a gestão através de status do WhatsApp. Aquele que, em seu lugar de poder, acredita mais no mérito da cadeira do que no peso das decisões que ela exige. Era óbvio que ele não estaria ali. Coragem para fazer o “serviço sujo” não era seu forte. Sempre enviava outros para resolver o que ele não tinha força ou maturidade para enfrentar.
Voltei ao momento presente quando o diretor administrativo, ainda desconcertado, terminou sua fala. Desejei sucesso a todos. Pedi que cuidassem do hospital, que o tornassem um lugar melhor para trabalhar e para dar resultados. Era o que eu sempre quis, afinal. Virei as costas, sabendo que lá fora alguns soltariam fogos pela minha saída. Para eles, eu era uma pedra no sapato, alguém que exigia o impossível em um ambiente que mal sustentava o básico.
O que não entendiam é que eu já estava em paz. Meses antes, disse ao diretor-geral: “Se você não me quer aqui, me peça para sair. Não mantenha quem você não confia.” Palavras simples, mas que ele nunca teve coragem de verbalizar. No fim, terceirizou a tarefa, como sempre.
Enquanto eu atravessava os corredores pela última vez, pensei na ironia da situação. O hospital ficaria nas mãos de uma nova supervisora, alguém que já havia falhado antes e que passou meses fomentando intrigas. Alguém que confunde firmeza com dificuldade, incapaz de entender que liderar é, muitas vezes, um jogo de cintura para alcançar resultados.
Deixei a sala com a certeza de que minha saída era um alívio para alguns, mas também um reflexo de suas próprias fraquezas. No teatro corporativo, cada um interpreta o papel que consegue, mas os resultados verdadeiros são implacáveis. E, no final, quem celebra a saída de um colega com fogos geralmente não entende que o verdadeiro trabalho não é derrubar outros, mas construir algo maior.
Agora, do lado de fora, observo. E sigo em frente, sabendo que meu ciclo ali pode ter acabado, mas minha jornada está longe do fim. Afinal, enquanto uns soltam fogos, outros preparam o próximo passo. E eu já estou a caminho. Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 15/01/2025
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