![]() De Jaleco ao TernoNa penumbra do plantão noturno, ele era o retrato da competência clínica: firme, seguro, um intensivista exímio. O bisturi da decisão cortava a incerteza com precisão, e as vidas que salvava lhe conferiam respeito entre os corredores do hospital. Mas ninguém imaginava que, em poucos meses, ele trocaria o jaleco pelo terno, tornando-se não apenas um médico, mas o comandante do hospital.
A transição começou discreta. Um convite, uma posição que mesclava a prática clínica à gestão. A diretora geral, uma mulher com anos de experiência e uma reputação consolidada, enxergava nele uma promessa. “Você tem perfil, um futuro brilhante”, dizia, enquanto lhe passava a rotina administrativa como quem passa as chaves de um carro que já rodou muitas estradas.
E ele aprendeu. Aprendeu rápido, até demais. Em cinco meses +/- de aprendizado intensivo, decidiu que não precisava mais de mentores. Achou que os bastidores da gestão eram como uma UTI: bastava agir com firmeza e controle para resolver crises.
Então, aconteceu. O aluno superou a mestra – ou ao menos assim pensava. Em uma manobra inesperada, assumiu o cargo máximo do hospital. A diretora que o preparara foi afastada. Os corredores, antes cheios de cochichos sobre diagnósticos e prognósticos, agora sussurravam sobre ambição e traição.
Ele entrou no cargo com a confiança de quem acredita que habilidade clínica é suficiente para gerir contratos, equipes e orçamentos. Sentiu-se no topo, mas a vista era desafiadora: pilhas de papéis sobre licitações, reuniões com fornecedores, reclamações de terceirizados. A realidade administrativa não tinha o mesmo glamour das emergências médicas.
Os meses se passaram, e as dificuldades começaram a transparecer. Uma ala sem insumos, uma obra parada por falta de planejamento. Seus antigos colegas, que o admiravam, agora o viam hesitante, frio, calculista e focado em crescimento rápido. E foi então que ele entendeu que a cadeira de piloto daquele navios, ao contrário da mesa de cirurgia, era solitária.
Enquanto isso, a diretora afastada observava à distância. Não era rancorosa, mas conhecia o peso daquela posição e sabia que experiência não se constrói em alguns meses.
A crônica não termina com uma reviravolta. Ainda não sabemos se ele conseguirá conduzir o empreendimento ou se naufragará sob a pressão. Mas, entre os corredores, ficou uma lição: a gestão é um bisturi mais afiado que qualquer outro, e sua incisão exige mais que ousadia – pede sabedoria, paciência e, principalmente, humildade.
" Essa é uma obra meramente fantasiosa. Qualquer semelhança com fatos, dados e pessoas é totalmente coincidência". Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 22/12/2024
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