... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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A Torre de Babel no Escritório

No coração de uma empresa em expansão, onde cada engrenagem deveria funcionar com precisão cirúrgica, a equipe enfrentava um dilema mais humano que técnico. Entre corredores apressados e reuniões nunca pontuais, a recém-contratada supervisora se destacava. Não por sua eficiência, mas por sua habilidade quase artística de semear intrigas, como quem lança sementes em terra fértil.

 

A supervisora, com um sorriso sempre no ponto, tinha o peculiar hábito de buscar referências das pessoas erradas – aqueles que um dia já haviam se desentendido com a gerente ou que carregavam uma pequena mágoa. “Você sabe o que dizem dela, não é?” murmurava, inclinando-se em confidências estratégicas com quem passasse pelo setor. Em pouco tempo, a dúvida virou fumaça, e a fumaça quase se tornou incêndio.

 

Do outro lado da trincheira, a gerente, uma profissional experiente e focada, começou a perceber que a confiança, aquele alicerce invisível das relações, era mais escassa que verba em final de orçamento. Não bastasse isso, o CEO, um administrador visionário, mas com uma inclinação preocupante para improvisações, parecia preferir atalhos às rotas claras. Era comum encontrá-lo no corredor, conversando com o encarregado de manutenção ou com a própria supervisora, delegando tarefas, autorizando decisões e ignorando a gerente, como se ela fosse apenas uma peça decorativa do mobiliário.

 

"Ah, eu já pedi ao encarregado para cuidar disso", dizia o CEO, em tom casual, ao ser questionado sobre decisões estratégicas. Para a gerente, isso soava como um relógio desregulado, incapaz de marcar o tempo certo. Não havia clareza, não havia centralização. O caos se tornava a norma.

 

A gerente tentou abordar a supervisora. "Precisamos conversar, alinhar algumas coisas", propôs. Mas o diálogo era como construir uma ponte sobre um rio furioso: a cada tentativa, vinha uma onda maior de justificativas vazias e sorrisos calculados. A supervisora sempre tinha uma desculpa, um "eu só ouvi dizer", enquanto continuava a jogar suas palavras como flechas.

 

Com o tempo, a gerente percebeu que não se tratava apenas de desconfiança, mas de uma engrenagem mais profunda, talvez uma resistência estrutural ao próprio papel da liderança. O que fazer quando o próprio líder maior parecia esquecer a lógica da hierarquia?

 

Foi então que a gerente decidiu agir. Não com gritos, não com confrontos abertos, mas com a serenidade de quem sabe que o profissionalismo é o último bastião em um campo minado. Ela começou a documentar tudo: decisões que passavam por ela, ruídos no processo, conversas informais. Fez questão de incluir a alta liderança em relatórios, criando um registro transparente e inquestionável.

 

E em uma reunião crucial, com a presença do CEO, da supervisora e do encarregado de manutenção, a gerente trouxe à tona os fatos. Não com acusações, mas com perguntas simples e cortantes: "Quem decidiu isso? Quando? Por que não fui informada?". O silêncio foi tão pesado que parecia preencher o ar.

 

Naquele momento, algo mudou. Talvez não na supervisora, nem no CEO, mas na percepção de todos sobre o que significa liderança. A torre de Babel ainda existia, mas agora, ao menos, tinha um arquiteto disposto a organizar as pedras.

 

 

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 22/12/2024
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