... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

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No coração do hospital, onde máquinas e pessoas coexistem em um equilíbrio precário, o tomógrafo repousa imponente. Uma presença silenciosa, mas essencial, que revela o invisível, decifra mistérios ocultos sob a pele. Como toda máquina, ele tem seus caprichos, suas manias, e nos últimos dias, vinha dando sinais de cansaço. O problema, no entanto, não era apenas do tomógrafo; era o reflexo de um desgaste que se espalhava por toda a estrutura – e não apenas a física.

 

Simone, gestora da engenharia clínica, observava com atenção cada som, cada luz piscante que o tomógrafo emitia, como um médico que ausculta um paciente. Havia algo mais ali, algo que não se limitava às peças e aos circuitos. Os picos de energia que vinham perturbando o funcionamento do hospital pareciam prenunciar algo maior, algo que poderia ser desastroso. E assim, com a responsabilidade que sempre carregou, Simone enviou um e-mail para a diretoria geral, alertando sobre os riscos que aqueles picos representavam.

 

Mas o que se esperava ser uma comunicação profissional e sensata transformou-se em um campo de batalha. O diretor-geral, respondeu com uma dureza que deixou Simone perplexa. Ele não viu a preocupação genuína, não enxergou a responsabilidade com o bem maior; viu apenas uma intromissão. Com palavras que soaram como golpes, ele rebaixou, desqualificou, questionou a competência de Simone de uma maneira que só quem já passou por isso sabe o quanto dói.

 

Simone, então, se defendeu como pôde. Tentou explicar, tentou fazer com que ele compreendesse que sua intenção nunca fora julgar, mas cuidar. Colocou sua frustração em palavras, explicando que estava apenas cumprindo seu dever, preocupada com o equipamento que tanto valia e que, em suas mãos, representava mais do que cifras – representava vidas.

 

Mas o tom do diretor era outro. Não havia ali o entendimento, a educação, a liderança carismática que Simone tanto ansiava. Em vez disso, havia um autoritarismo desgastado, uma rigidez que cortava como faca afiada. E assim, Simone se viu sozinha, enfrentando não apenas o peso das máquinas, mas o peso da falta de empatia, de compreensão.

 

O tomógrafo, por sua vez, voltou a funcionar. Mas a cada imagem que ele capturava, Simone sentia que uma parte de si estava se perdendo. O cansaço físico e mental aumentava, não pelas longas horas, mas pelo fardo invisível de tentar agradar a quem não queria ser agradado, de tentar fazer um bom trabalho em um ambiente onde sua voz era constantemente silenciada.

 

Ela encerrou a troca de e-mails com um breve "esteja certo do meu entendimento, da minha compreensão". Um ponto final que, mais do que encerrar uma comunicação, parecia encerrar um capítulo da sua própria resistência. Simone não queria mais agradar, não queria mais se debater contra as ondas de uma liderança fria e distante. Tudo o que ela queria era fazer o que sempre fez de melhor: cuidar.

 

Mas naquele hospital, onde as máquinas falam e as pessoas se calam, o cuidar se tornava um fardo pesado demais. E assim, Simone seguia, uma peça a mais naquela engrenagem, tentando não se perder entre as linhas de um sistema que parecia, mais e mais, feito para quebrar almas, não para consertá-las.

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 24/08/2024
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