... Expressividade ...

"Decifra-me mas não me conclua, eu posso te surpreender! - Clarice Lispector

Textos


 Oi Pai...

 

Tudo bem com o senhor? Espero que sim! Tenho certeza que sim!

Já eu, eu to com uma dor tão grande no peito, uma angustia tão sufocante... Uma necessidade tão enorme de ouvir tua voz, ver teu rosto, sentir teu abraço! Queria te falar tanta coisa que acontece comigo agora, sorrir teu riso debochado... Ouvir tuas estórias inventadas, mas todas vividas na sua essência, cujo qual eu me fiz entender e ser gente.

 

Mas agora, nesse agora preciso de tua ajuda Pai... Ajuda pra aceitar tua ausência em minha vida e me fazer sorrir na presença que hoje doe por ser saudade... Uma saudade que hoje entendo bem, que tipo de dor traz o “nunca” e doe muito... muito... muito...

 

Hoje me vi menina chorando sozinha na cozinha de minha casa, tentando comer alguma coisa... E o silencio falava comigo e eu respondia, era um diálogo estranho... E as lagrimas se fizeram cachoeiras por descobrir que o silencio não tem tua voz... E como tua voz poderia ser o silencio se ela nunca se calava pra mim... Como eu posso me acostumar se me acostumas-te a te ouvir de alguma forma.

 

Como queria dizer que te amo agora...

Pai, o senhor me ouve...

 

Paizinho me ouvis-te dizer que te amo, que to com saudade, que to triste e que to sofrendo em me acostumar com tua ausência...

 

Nunca pensei nesse momento, e jamais imaginei que dentro de mim a necessidade de ti fosse tão grande... Nossa como eu queria estar aqui ou ai sei lá... Mais queria saber se o senhor esta bem, se ta um touro como sempre foste...

O meu touro...

 

O touro que já não liga pra mim, que já não se preocupa comigo... Que já não dá opinião no meu trabalho, que já não me olha com admiração...

Nossa como sinto tua falta!!

 

Sonhar com o senhor todas as noites me faz ter a sensação que estais em Belém com minha mãe... Na rotina de sempre, brigando, sorrindo, enciumando, palpitando... Sabe Pai, quando ligo pra falar com a mãe, eu por um segundo me desligo da voz dela e tento ouvir a sua lá de longe falando alguma coisa pra eu escutar... Mas dessa vez eu não escuto nada... E nesse momento o silencio volta a me incomodar, ele grita em meus ouvindo estourando meus tímpanos e me provocando a sensação que nada me faz sorrir da mesma forma...

 

Pai...

 

- Conta uma piada pra mim?

- Olha, a jaqueira do meu quintal está cheia de flores...

- Eu to cansada de tanta coisa pai, o que o senhor acha da gente ir pescar?

- Comprei qualhada, mais lembrei que não gosto...

- Joguei umas sementes de abobora no quintal e queria te mostrar como ta brotando...

- Eu vou atar a rede na varanda pro senhor deitar e ficar se balançando, cantando e falando causos...

 

Queria pegar o carro a noite e chegar em casa de madrugada só pro senhor brigar comigo... Queria deitar e por minha cabeça em seu colo e receber um carinho meio sem jeito de suas ásperas mãos...

 

Pai,

 

Queria poder lhe dizer um dia olhando em seus olhos que serás vovô... E admirar suas traquinagens com meu filho... Queria lhe dizer que to curada de meus medos e de minhas enfermidades... Queria te convidar pra rodar o mundo novamente dentro de uma Scanea e ali me fazer filha do caminhoneiro que eras... E que deixou em mim o fascínio pela estrada... Eu corro ainda pai e correndo lembrando da ultima viagem, o senhor de meu co-piloto correndo 800km de asfalto.

 

Hoje, tarde eu sei, me senti muito mais tua filha e compreendi a necessidade cujo o qual eu fazia de meu dia a dia ser do jeito que te fizesse brilhar os olhos e falar palavras de admiração pra mim...

 

Pai,

Minha maior motivação de estar onde estou e enfrentar tudo o que enfrento hoje era o senhor... Agora, percebo que me falta tudo...

 

- Vamo tomar sorvete de milho verde?

Sabe, hoje eu não senti o enjoativo do gosto forte do milho e degustei com toda calma e ao fechar meu olhos tinha a sensação que também estavas ali...

 

Pai,

O senhor está bem? Porque eu não to...

Alivia meu peito, ameniza essa dor que tua ausência deixou...

 

Volte no tempo, faça de conta de lhe dei uma scanea de presente e o senhor partiu nela e saiu por esse mundão de meu Deus e que um dia iras voltar... Ouvirei a buzina lá longe que anuncia tua chegada... Então sairei correndo de encontro aos teus braços como fazia quando criança...

 

O “nunca” doe...

A “saudade” lateja...

E o silencio enlouquece!

 

Pai,

Peça a Deus que cuide de mim, que não me tire mais ninguém nesse momento, nesse agora, nesse hoje... A mãe sofre, mas continua forte e finalizando a radioterapia... Ela ta curada do câncer pai... Estamos tentando organizar a vida agora...

Eu to me cuidando, mais me sinto triste... Porque não há mais ninguém que me olha com o olhar de admiração que o senhor me dava...

 

Eu te amo pra todo sempre... sempre... sempre...

 

Sua

Moninha...

(Pelos 30 dias do desencarnar de meu Pai... O meu grande amor)

Monet Carmo
Enviado por Monet Carmo em 29/05/2010
Alterado em 05/06/2010


Comentários

Tela de Claude Monet
Site do Escritor criado por Recanto das Letras