![]() 14/04/2025 13h30
FIM: O dia em que eu soube que não era sobre mim
Eu conheci o Rafael em 2015. Na época, eu ainda era casada e tocava uma hamburgueria com meu ex-marido. Ele era só mais um nome nos bastidores de um projeto ferroviário. Arrogante. Cheio de si. Daqueles que a gente só cumprimenta por educação e se afasta por autoproteção. E eu me afastei.
Mas um dia ele entrou na hamburgueria com meu antigo diretor. E naquele dia, algo em mim virou. Como se um véu tivesse caído dos olhos e, pela primeira vez, eu o enxergasse com outros olhos. Não com os olhos da razão, mas com os da intuição. Aquilo me incomodou. Eu sempre fui muito firme nas minhas percepções, mas naquele dia eu me perdi.
O tempo passou. Eu me separei. Me envolvi com outro homem, Nicolas, engenheiro ferroviário, que depois foi pra Moçambique e virou ausência. Foi aí que o Rafael reapareceu. Sem aliança. Sem filtro. Ainda com aquela grosseria característica, mas com algo que me chamava.
A primeira vez que ele foi à minha casa foi depois de uma festa do projeto. Eu fui com um vestido longo, justo, como quem quer passar despercebida, mas acaba sendo vista. Ele me mandou mensagem depois, perguntando se podia passar lá. E eu, sem saber por quê, disse que sim.
Ele chegou e foi direto. Me tocou com uma fome que eu não esperava. Me despiu sem poesia, mas com intensidade. E ali, no chão da minha sala, ele me comeu como se fosse a última coisa que ele faria no mundo. Eu tremia. E quando achei que tinha acabado, olhei pra ele… e ele ainda estava ali, duro, presente, como se o mundo não tivesse peso.
Depois disso, ele começou a se abrir. Me contou das fantasias, dos desejos escondidos, do que nunca teve coragem de realizar. Eu não me choquei. Pelo contrário. Sempre acreditei que a gente só vive de verdade quando para de ter medo do que sente. E ele sentia. Sentia tudo — só não sabia dar nome.
Aos poucos, fui descobrindo os buracos da vida dele. Tinha uma filha com quem ele não falava. Um filho que criava, mas que não era dele. Uma mulher com quem ainda dividia o teto — e uma mentira que ele contava todo dia.
Quando o filho dele nasceu, prematuro, com complicações respiratórias e diagnóstico indefinido, ele entrou em colapso. Me escreveu dizendo que não tinha estrutura emocional nem financeira pra ser pai. E eu, em vez de me afastar, me aproximei. Comprei brinquedos. Dei afeto. Me envolvi com a dor daquela criança como se fosse minha. E fui me envolvendo com a mulher dele também — mesmo que em silêncio, mesmo que por tabela.
Eu me transformei na rede de apoio que ele não teve. Fiz o currículo dele, mandei pra empresas, contratei um headhunter. Tentei encaixá-lo no mercado, na vida, no mundo. Eu queria que ele voltasse a acreditar. Não por mim, mas por ele.
Mas a verdade é que ele nunca me pediu isso. E talvez por isso mesmo tenha me rejeitado. Quando descobriu que eu banquei a ida dele pra Belém, que paguei tudo sem dizer que era eu, ele reagiu com ódio. Me humilhou. Disse que não queria me ver. Que eu tinha ultrapassado limites.
Mas que limite tem quem ama?
Desde aquele dia, houve um silêncio entre nós. Um silêncio cheio de gritos não ditos. Um vazio que doía toda vez que eu via o nome dele online. Até que ele me ligou. Disse que tinha sido chamado pra uma vaga. Era uma das empresas pra onde eu tinha mandado o currículo. Ele tinha conseguido. E eu cortei o laço.
Fiquei anos sem contato. Até que, em 2023, eu cedi. Mandei uma mensagem. E ele veio. Passou dois dias comigo. Foi estranho. Era amor e mágoa misturados no mesmo copo. Conversamos, transamos, brigamos em silêncio. Eu percebia que ele ainda era o mesmo — mas eu não era mais.
Nos encontramos pela última vez em janeiro de 2025, em Parauapebas. Conversamos por horas. Ele falou da esposa. Dos filhos. Do trabalho. E eu escutei tudo em silêncio, como quem presencia o fim de um sonho. Ele falava da vida dele... e eu não estava nela.
Naquela noite, eu soube. Não era sobre mim. Nunca foi.
Ele me pediu pra não sumir. E eu sumi. Porque essa foi a única forma de me salvar.
Eu ainda sinto orgulho dele. Mas queria não sentir. Porque o que eu dei, ele nunca vai devolver. Porque o que eu fui pra ele… ele nunca será pra mim.
Essa é a minha história com Rafael. Uma história que teve tudo — menos reciprocidade. E que agora tem uma coisa que nunca teve antes: fim.
Publicado por Monet Carmo em 14/04/2025 às 13h30
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